Doenças raras
Prémio Rola-Braz é uma bolsa de investigação numa garrafa de vinho
Um Brinde pela Ciência é o último ponto do programa científico que sexta-feira vai discutir a regulação e qualidade dos testes genéticos em Portugal. A discussão, no Porto, será centrada nos três anos de espera pela regulamentação da lei sobre informação genética pessoal e informação de saúde, mas a sessão vai encerrar com um invulgar exemplo de mecenato científico. Ana Rola-Braz decidiu contribuir para a criação de uma bolsa de investigação que permita desenvolver novas formas de diagnóstico de doenças raras, fazendo reverter um euro da venda de cada garrafa de vinho que produziu na região do Douro
É "uma homenagem a uma pessoa de família com a doença de Machado-Joseph", explica a enóloga, que trabalha nas Caves de Santa Marta e é proprietária da marca de vinho Quinta de Remostias, na região do Douro. Ana Rola-Braz quis retribuir por um serviço prestado pelo Centro de Genética Médica Preditiva e Preventiva (CGPP), no Porto, e decidiu oferecer o que faz: vinho.
"Uma ideia fantástica para uma forma de mecenato que é muito comum noutros países, mas que em Portugal é incipiente", nota Cláudio Sunkel, director do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC), onde está o CGPP, acrescentando que "é a primeira vez" que isto acontece no instituto.
A enóloga poderia ter-se limitado a doar uma verba ao CGPP. Mas, após um encontro com os responsáveis do centro e do IBMC, decidiu que seria mais interessante contribuir para um avanço científico nesta área. Assim, foi já seleccionado num concurso um bolseiro que, durante o próximo ano (a bolsa poderá ser alargada), vai tentar encontrar novas formas de diagnóstico da doença de Machado-Joseph (a doença rara de maior prevalência em Portugal) e outras ataxias hereditárias como esta (doenças crónicas que afectam o cerebelo e acabam por deixar as pessoas sem se poderem mexer nem falar).
Sobre o vinho Quinta das Remostias, que será lançado e provado no final do encontro da Orphanet Portugal, Ana Rola-Braz esclarece que se trata de um tinto, da colheita de 2007, feito com as castas Touriga Nacional e Tinta Roriz, com grau alcoólico de 14% e cujo preço deverá rondar os cinco euros. A enóloga tem um stock de seis mil garrafas (estão à venda à online ou nas lojas de especialidade) para o Prémio Rola-Braz.
Os organizadores do primeiro encontro sobre doenças raras e medicamentos "órfãos" da Orphanet - uma rede que apoia o diagnóstico e tratamento destes doentes, para os quais a indústria farmacêutica tem pouco interesse em desenvolver produtos, e que é liderada por um consórcio de 40 países - esperam que o brinde reservado para o final do dia sirva para celebrar. A Orphanet Portugal espera obter nesta sexta-feira o compromisso do Governo (o secretário de Estado da Saúde, Leal da Costa, deverá estar na sessão), para avançar com a regulamentação da lei publicada em Janeiro de 2005. É que a proposta de decreto regulamentar está pronta desde o início de 2009.
"E até agora nada", constata Jorge Sequeiros, cientista do CGPP e que presidiu à comissão que elaborou esta regulamentação. Na mesma altura apresentou-se uma proposta de portaria sobre o licenciamento dos laboratórios de genética médica. Também, nesse caso, nada até agora.
Apesar de a lei publicada em 2005 estar em vigor, a regulamentação deverá clarificar alguns pontos, como as condições de oferta de testes genéticos, a regulação da sua qualidade, o estabelecimento de biobancos ou a protecção de informação sensível. Estima-se que existam 5 a 8 mil doenças raras, afectando no seu conjunto até 6% da população, o que, extrapolando, significa que haverá até 600 mil pessoas com estas patologias em Portugal.
Comentários
Enviar um comentário