Genes mutantes nem sempre levam a doenças genéticas
A mãe de Sonia Vallabh
deteriorou-se rapidamente. A sua condição começou com alguma visão turva e
pequenas falhas cognitivas, mas dentro de alguns meses, ela não poderia
reconhecer a própria filha. Dentro de um ano, ela estava morta. Após a sua
morte, os médicos realizaram testes para ver o que fez com que ela tivesse um rápido
declínio neurológico. O diagnóstico final foi uma doença príon, uma condição
infeciosa mal compreendida que faz com que as proteínas no cérebro abandonem as
suas estruturas normais, aglutinem-se e tornem-se tóxicas. A doença príon mais
famosa é a doença das vacas loucas, mas a doença parece também ter uma base
genética e mãe de Sonia teve uma dessas mutações.
Sonia também foi testada
para a mutação. E como o seu médico lhe disse, ela teve a mesma alteração no
gene da proteína prion RPPN que a sua
mãe tinha. Sonia e o seu marido, Eric Minikel, imediatamente perguntaram se ter
a mutação significava que ela iria ter definitivamente a doença. Ele escreve no
seu blogue:
Sonia
e eu não tínhamos formação científica, e uma vaga lembrança de biologia da
escola. Sonia tinha acabado de se formar da faculdade de direito. Eu estava a
trabalhar em consultoria de tecnologia de transporte. Nós acabaríamos por saber
que o termo científico para o que estávamos a procurar era penetrância.
Penetrância é a probabilidade de desenvolver uma doença genética particular, se
temos uma mutação genética particular.
Sonia Vallabh e Eric Minikel |
Uma mutação com alta
penetrância provavelmente irá causar uma doença. Uma penetrância de 100%
significa que desenvolver a doença é uma certeza. Mas um grande número de genes
que causam doenças têm baixa penetrância. A penetrância dos genes associados ao
cancro da mama, BRCA1 e BRCA2, são 48 e 74 por cento
respetivamente. Para o BRCA1, isso
significa que há uma hipótese superior a 50%, para quem tem a mutação, de ter a
doença. Mas com doenças tão raras como a doença príon de dobramento, é
extremamente difícil desenvolver medições de penetrância. Em parte porque é
muito difícil encontrar pessoas afetadas pela doença.
Vallabh, uma advogada, e
Minikel, analista de transportes, tiveram aulas à noite e formação como
biólogos. Ambos começaram os estudos de doutoramento no Instituto Broad do MIT
(EUA) no mesmo laboratório de bioestatística na esperança de responder à questão
mais premente das suas vidas: seria que Vallabhiria ficar doente? Qual foi a
penetrância da sua mutação?
Juntamente com a a sua
equipa internacional de investigação, analisaram os dados de mais de 16.000
pacientes com doenças prion e pessoas saudáveis do Exome Aggregation Consortium
e 23andMe. Karen Weintrub descreve o processo:
O
tamanho dos conjuntos de dados permitiu aos investigadores tirar conclusões,
mesmo com uma condição tão rara como uma doença príon. Os médicos tinham
anteriormente conhecimento de apenas cerca de 63 possíveis mutações em pessoas
com a doença, pelo que eles pensavam que todas as mutações necessariamente
causavam problemas. Mas os investigadores descobriram 141 pessoas saudáveis
no conjunto de dados da 23andMe que tinham mutações no gene RPPN - uma taxa
muito mais elevada do que a incidência da doença príon. Isso significa que
algumas das mutações devem ser inofensivas ou que pelo menos nem sempre causam
a doença, disse J. Fah Sathirapongsasuti, biólogo computacional da 23andMe e um
coautor do estudo.
Os investigadores
descobriram que três das 16 mutações que identificaram foram altamente
penetráveis, outras eram quase benignas e ainda outras não puderam ser
classificadas, apesar do tamanho enorme da amostra e cooperação internacional.
Em parte, os resultados oferecem alguma esperança. Muitas pessoas que tiveram
uma destas mutações doença estavam vivas e a viver uma vida saudável, porque
eles também eram portadores duma cópia saudável. Mas também descobriram que a
mutação de Vallabh vai realmente ser fatal se não houver um tratamento que possa
ser disponibilizado.
Robert Green, um médico
geneticista de Harvard (EUA), descreveu o telefonema que fez para um dos seus
pacientes com uma mutação que provou ser benigna, como um dos "mais
emocionantes" da sua vida como médico, num editorial. O trabalho de
Vallabh e Minikel tirou o peso da dúvida do futuro do seu paciente. E provando
que era possível permanecer saudável com uma mutação altamente penetrante,
enquanto havia uma cópia saudável do gene, o trabalho abre o caminho para
possíveis tratamentos futuros, talvez usando a edição genética.
O estudo também mostra a
crescente importância da partilha de dados para desvendar o mistério de
penetrância de um gene. A CEO da 23andMe, Anne Wojcicki, disse há muito tempo
que achava que o verdadeiro valor da sua empresa seria concretizado pelas
empresas farmacêuticas que iriam encontrar alvos para os fármacos com os seus
dados. E portais de investigação como a Matchmaker Exchange estão a trabalhar num
sistema padronizado para relatar internacionalmente descobertas genéticas e as
suas implicações para a saúde, projetos tão grandes e ambiciosos como o de
Vallabh e Minikel, tornam-se mais fáceis e rápidos.
Outro aspeto da história desta
mulher, que poderia ser mais aplicável à vida de muitos pacientes, é que ela seria
informada sobre uma doença incurável em primeiro lugar. Especialistas em ética
médica ainda estão em debate sobre a possibilidade de dizer às pessoas o seu
estado genético para as doenças, se não houver tratamento. A doença de
Alzheimer é um grande exemplo. O American College of Medical Genetics and
Genomics insta a que os médicos não testem para o gene APOE relacionado com a doença de Alzheimer porque essa informação
só poderia ser prejudicial a uma pessoa, e não útil.
Mas a história de Vallabh é
uma grande lição. Quando soube que era portadora de uma mutação
neurodegenerativa fatal, ela decidiu agir. Nem todos os pacientes podem mudar
de vida como Vallabh, que deixou o emprego e se tornar uma doutorada (PhD) pelo
MIT. Mas qualquer um se pode capacitar e reunir informações, que Vallabh disse que
foi o seu primeiro passo. A informação também pode inspirar um paciente a
prever a necessidade de cuidados no futuro. Ou decidir não ter filhos.
Quando se trata de doenças
genéticas, é importante dizer aos pacientes que querem saber diz Robert Green:
Por
muitos padrões publicados e perspetivas de especialistas, Sonia deveria ter sido
fortemente aconselhada, até dissuadida, sobre o potencial dano psicológico de
saber se era portadora dessa mutação, com a suposição de que nenhum bom
conhecimento médico poderia resultar de tal conhecimento. Mas a noção de
capacidade de ação tem provado ser muito menos paroquial do que convenções
presentes sugerem. Acumular evidências da divulgação do risco genético para uma
única doença, para painéis de marcadores de risco genéticos, e por resultados
inesperados potencialmente devastadores sugerem que quando os indivíduos
desejam conhecer os seus riscos genéticos, eles conseguem em grande parte da
informação de forma altamente construtiva. O poder da partilha desses conhecimentos
com os pacientes pode, em alguns casos, ser exagerada por empresas de testes
genéticos no complexo bioindustrial emergente, mas a capacitação dos doentes
também parecem ser construções tangíveis, quantificáveis que podem agitar as
mudanças pessoais fundamentais e avanço na ciência.
Às vezes, isso leva a mais
confusão. Um estudo recente mostrou que depois das pessoas receberam relatos das
suas condições genéticas de uma empresa direta ao consumidor de testes
genéticos, eram menos confiantes no seu conhecimento de genética. Isso é uma
coisa boa. Isso significa que as pessoas não estão a tirar conclusões
precipitadas sobre a sua saúde. Ao contrário, eles estão apropriadamente
desconcertados pela informação extremamente complicada. Os médicos geneticistas
são, também. Mas a ideia de que se deve proteger os pacientes de si próprios
não é certamente a resposta. Basta perguntar a Vallabh e a Minikel.
MIT – Massachusetts Institute of Technology (Instituto de Tecnologia de
Massachusetts), EUA - é uma
universidade privada de investigação localizada em Cambridge,
Massachusetts, EUA. Fundada em 1861, em resposta à
crescente industrialização dos EUA, o MIT adotou um modelo europeu de
ensino politécnico e salientou a instrução laboratorial em ciência aplicada
e engenharia.
(artigo traduzido)
Fonte: https://www.geneticliteracyproject.org/2016/02/10/mutated-genes-dont-always-lead-genetic-diseases/
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