A história de um atáxico
Com
vinte e dois anos de idade, Zoyeb Md Zia foi diagnosticado com ataxia espinocerebelosa
na sua adolescência. Aqui se tenta traçar os anos que ele viveu com a doença.
A primeira coisa que se nota
sobre Zoyeb Md Zia é o seu sorriso desarmante. Ele devora bolo com todo o
entusiasmo de uma pessoa faminta de 22 anos de idade, e enquanto ele tenta
saborear o seu café, uma colher cai e faz barulho quando bate no chão. Sem
sequer tempo para uma pausa para respirar, o seu primo Sufiyan Ahmed Faizi
prontamente apanha-a e coloco-a na mesa, mesmo enquanto continua a falar. Com a
mesma indiferença, o seu pai Iftikhar Md Zia se inclina e limpa um pouco de
bolo da boca de Zoyeb e ri-se por algo que Sufiyan acabou de dizer. Com as mãos
ligeiramente trêmulas, Zoyeb agarra noutra colher e inclina-se sobre o seu
bolo, trazendo-o até aos seus lábios num movimento lento, cuidadosamente
controlado. O seu pai continua a brincar com o seu primo, mas as linhas de
tensão ao redor dos seus olhos relaxam um pouco.
Zoyeb entra na conversa, com
o seu discurso deliberadamente lento, quase arrastado. E quando ele se levanta
para sair, Iftikhar e Sufiyan colocam os seus braços ao redor dele de ambos os
lados para apoio enquanto ele cambaleia um pouco, disciplinando então a sua
marcha. Um transeunte poderia pensar que o jovem tinha bebido mais do que a
conta; no entanto, a ataxia e as suas muitas manifestações são apenas uma outra
parte da vida de Zoyeb. Ele faz o seu melhor, com a cumplicidade de familiares
e amigos, para não deixar que sua debilidade afete a sua rotina.
A ataxia é um distúrbio neurológico
que afeta a coordenação muscular, equilíbrio e fala duma pessoa. É
degenerativa, o que significa que a coordenação do Zoyeb piorou ao longo do
tempo. "A ataxia pode ser um sintoma, uma síndrome, ou um distúrbio,"
diz o Dr. Ennapadam S. Krishnamoorthy, fundador da Neurokrish (clínica na
Índia). "O prognóstico depende muito do tipo do distúrbio. Portanto, há
doenças que progridem rapidamente e há doenças que evoluem muito lentamente.
Existem algumas doenças que evoluem tão lentamente que são quase estáticas por muito
longos períodos de tempo."
***
Zoyeb primeiro suspeitou de
que algo estava errado há cerca de nove anos.
Até ao ensino secundário,
ele foi o aluno a quem cada professor revirava os olhos. Bom nos estudos, e no
entanto o líder do grupo dos brincalhões e daqueles que gostavam de pregar
partidas, popular entre os alunos e bom em deportos - um atleta de ponta a
ponta. O seu amor pelo futebol, de fato, foi o que o fez perceber que havia
algo de errado. No meio de um jogo na escola, ele tentou chutar a bola. "E
eu simplesmente não conseguia. Eu não sabia porquê ou como", diz ele. O
que se seguiu foi um período de declínio lento, tanto física como
emocionalmente. "Eu não podia nadar, eu não podia sair com meus amigos, eu
não queria ver a minha família. Eu nem podia jogar à bola com os meus
primos."
"Nós chateámo-lo",
diz Sufiyan, que é cerca de três anos mais velho que Zoyeb. "Não sabíamos
por que ele não podia chutar uma bola ou por que ele se recusava a jogar com a
gente."
Zoyeb também se afastou dos
seus amigos. Enquanto inicialmente o seu comportamento confundiu os seus colegas
da escola e professores, não foi suficiente para causar preocupação. "Ele
manteve as suas notas", diz V. Suma Padmanabhan, o diretor da Escola
Secundária Sénior Asan Memorial em Chennai (Índia). "E ele participava nas
aulas e no campo de jogos, apenas o suficiente para que ninguém suspeitasse de
que algo muito errado se passava com ele."
A adolescência de Zoyeb foi a
fase mais difícil. Ele não conseguia sequer atravessar o pátio da escola.
"Usava uma pequena passagem ao longo do ciclo de suporte e agarrava as
paredes para me apoiar enquanto tropeçava para a aula de modo que ninguém
realmente me via." A sua marcha atáxica - um movimento instável,
cambaleante porque o andar tornava-se descoordenado – tinha-se oficialmente
instalado. Escondeu a sua crescente falta de coordenação de todos até há três
anos – o que não é tarefa pequena - até que o seu pai finalmente se fartou.
"Nós pensávamos que ele estava a sofrer de um distúrbio psicológico",
lembra ele. "Como ele andava agarrado às paredes e era sempre anti-social."
Pai e filho andaram às
turras até que a vontade do pai prevaleceu e Zoyeb foi arrastado para um
alinhamento de médicos.
***
O Dr. Zaheer Ahmed Sayeed,
neurologista, foi o primeiro a diagnosticar Zoyeb corretamente. E depois disso,
a vida de Zoyeb foi consumida com visitas a todos os tipos de hospitais para se
submetem a todos os tipos de tratamentos. Iftikhar deixou o seu trabalho e
começou a trabalhar a tempo parcial para que pudesse estar disponível para
levar Zoyeb à caça de várias curas e tratamentos e ser capaz de se apressar a
ir para a sua beira a qualquer altura, se necessário. Zoyeb ainda queria esconder
sua condição, no entanto. "Aquele rapaz tonto tinha um grande grupo de
amigos. Ele afastou-os a todos com as suas noções parvas de independência
", diz Iftikhar.
"Eu só não queria que
ninguém soubesse", Zoyeb encolhe os ombros, levantando-se para jogar com a
sua PS3. Sufiyan afasta-se lentamente, sabendo Zoyeb quer fazer isso sozinho. Certifica-se
de que uma cadeira é colocada logo atrás Zoyeb, no caso de as suas pernas cederem.
À medida que Zoyeb ajusta o seu controlador e coordenadas, Iftikhar chama a
atenção para a sua postura. "Veja como ele está de pé; é a típica maneira atáxica".
E verdade seja dita, Zoyeb está com as pernas mais afastadas do que é normal,
balançando levemente, cada movimento seu deliberado e controlado -. quase como
alguém que bebeu um pouco mais do que a conta.
"Eu recuso-me a
deixá-lo andar uma cadeira de rodas", diz Iftikhar. "Ele precisa de
andar pelo seu próprio pé enquanto o seu corpo permitir."
***
Mesmo depois de Zoyeb ter
sido diagnosticado com ataxia espinocerebelosa (SCA), ele não deixou o seu pai
contar a ninguém. Ele não queria a ajuda de ninguém, ou pior, a sua piedade.
Ele estava determinado a continuar por si próprio. No entanto, ele estava a
meio do seu 12.º ano, quando decidiu que não queria continuar od seus estudos:
as coisas estavam a ficar muito difíceis. Enquanto Iftikhar era da opinião de
que seu filho precisava de ser salvo de si mesmo e dessas noções parvas de
independência, ele recuou e esperou que Zoyeb chegasse a termos com sua
condição por conta própria. Um dia, Zoyeb chegou da escola e disse ao seu pai
que ele estava pronto para falar com o diretor da sua escola. A Sra. Padmanabhan
tinha dado uma aula nesse dia e a lição aparentemente, atingiu Zoyeb. "Eu
não me lembro exatamente da aula", sorri a Sra. Padmanabhan.
"Einstein, talvez."
Depois de Zoyeb ter confiado
nela, as coisas mudaram. "Nós fizemos tudo o que podíamos. Eu disse-lhe
claramente que a deficiência não deve ser impedimento para a educação. Nós
trouxemos a sua sala de aula para o r/c, pusemos todas as ausências médicas e
permissões e subsídios especiais em ordem; também providenciámos aulas extras para
substituir as que ele perdeu." Ou um professor ou a própria Sra.
Padmanabhan iria segurar a sua mão e levá-lo para a sua aula, quando Iftikhar o
deixasse na escola.
O seu percurso académico
estava novamente nos eixos e Zoyeb mais do que compensou pelas suas
anteriormente baixas notas. "Eu estou um pouco acima da média, está a ver",
diz ele com um sorriso travesso. Não foi um caminho fácil, no entanto. Zoyeb
foi colocado a tomar medicação forte, causando sonolência e outros efeitos secundários
que o levaram a perder um monte de aulas. A baixa assiduidade significava que
ele tinha que trabalhar no duro para se manter a par. No entanto, os seus
amigos foram informados de seu problema e eles se reuniram em torno dele. Como
fez a sua família. Enquanto os mais novos o ajudavam com o trabalho escolar, os
membros mais velhos ajudavam-no a traçar o próximo plano de ação. Iftikhar
estava ao seu lado a cada passo vacilante. Em 2011, ele enviou a Zoyeb um email
com um vídeo do YouTube anexado. O vídeo mostra como Derek Redmond rasgou um
tendão nos Jogos Olímpicos de 1992 em Barcelona (Espanha), durante a corrida
de 400m e tentou coxear até ao resto da corrida. O seu pai furou a segurança e
correu até ele na pista. "Não tens que fazer isto", ele disse ao seu
filho. "Sim, tenho", respondeu ele. "Bem, então, vamos terminar
isto juntos." E então o seu pai se agarrou a ele, enquanto Redmond coxeava
até a linha da meta.
"Olá Zoyeb / Assalam
alaikum / Temos trabalho a fazer", escreveu Iftikhar para Zoyeb, naquele
email.
***
"Eu levei Zoyeb a todo
o país, à procura de tratamentos", diz Iftikhar. "Nós já tentámos de
tudo."
Iftikhar não está a exagerar,
eles realmente já tentáram de tudo. Alopatia, homeopatia, naturopatia, unani,
ayurveda, equinoterapia; mesmo algo tão rebuscado como terapia dos seixos, que
fez com que pai e filho explodissem em paroxismos de riso, perante o absurdo.
Algumas das sugestões pegaram,
no entanto. Zoyeb tem um conjunto de exercícios que tem de seguir, incluindo
atividades que melhorem a sua coordenação ou que pelo menos ajudem a retardar a
degeneração em baixo. Ele está encantado que a PS3 esteja na a lista de
“atividades” aprovadas – os jogos de deteção de movimentos são supostos serem
bom para ele. Ele também gosta de ler – Caim e Abel de Jeffry Archer é o seu preferido
- e adora banda desenhada.
"Batman, diz Batman"
solicita Sufiyan com um sorriso, quando Zoyeb é questionado sobre o seu
super-herói preferido. Ele franze a testa. "Honestamente, eu prefiro
Tintin ou Astérix".
***
Enquanto se submetia a todos
os tipos de terapia, Zoyeb terminou a sua licenciatura (Zoologia), e ao mesmo
tempo trabalhava numa licenciatura em Psicologia e começava a trabalhar no seu mestrado.
"Eu vou fazer o meu doutoramento em genética", diz decisivamente. Ele
também quer completar o seu doutoramento com investigação sobre a ataxia. Ele
sabe que vai ser uma batalha difícil e está a preparar-se. A sua escrita piorou
e, atualmente, se assemelha à de um aluno da pré-escola cheio de açúcar. "Que
professor iria avaliar o meu trabalho, com uma letra como esta?" Ele tem
tentando obter um escriba e espera conseguir algo do seu próximo conjunto de
exames. "As regras só permitem um escriba para o deficiente visual ou físico.
Nós fizemos vários pedidos para o seu caso a ser considerado. A maioria das
pessoas nem sequer ouviram falar de ataxia e não está incluída na lista de
deficiências físicas que necessitam de instalações especiais na educação",
diz Iftikhar, que ajuda o seu filho a andar até o primeiro andar para a sua aula,
todas as manhãs e vai buscá-lo à noite. "Há dias em que Zoyeb acha
realmente difícil. Dei-lhe a minha palavra de que vamos continuar a subir as
escadas até o dia em que ele ou eu caía.”
"Ele é muito
inteligente, interativo na sala de aula e popular entre os colegas," diz o
Dr. M. Asrar Sheriff, Chefe do Departamento (Zoologia), New College, Chennai
(Índia). "Sendo do departamento que somos, entendemos e estamos
sensibilizados para a sua condição. Há um certo grau de cooperação que nós
providenciamos a Zoyeb - os seus colegas ajudam com as experiências, ajudam-no
a desenhar os seus diagramas, também lhe damos tempo extra para terminar os
seus testes e trabalhos. No entanto, deve-se dizer que Zoyeb nunca nos deixou
ficar mal vistos. Na verdade, esperamos que ele continue a sua investigação connosco,
assim que terminar o seu mestrado".
Zoyeb, geralmente o tipo
afável, voltou a participar (e a ganhar) concursos e outros eventos no palco,
para não mencionar fazer novos amigos. Ele também quer ser voluntário para a
Coordenação de Doenças Raras em Sanford (EUA) - um registro que rastreia
doenças raras e os pacientes que sofrem delas. "Algo semelhante na Índia
seria muito benéfico, mas ainda não se concretizou", disse Iftikhar.
"Na Índia, temos dois
problemas. Um deles, é claro, é que muitos dos casos não chegam a receber
assistência médica. Em segundo lugar, os países desenvolvidos têm um sistema centralizado,
onde podem recolher informações sobre os pacientes com doenças raras e depois
assimilar ou trabalhar a partir desse conhecimento. Infelizmente, o sistema
indiano é tão fragmentado que simplesmente não permite a centralização ",
diz o Dr. Krishnamoorthy.
A falta de um registro não
parou Zoyeb de procurar e oferecer apoio on-line. Ele conhece e faz parte de
vários grupos de apoio, não apenas na Índia, mas em todo o mundo. Ele é amigo no
Facebook de Michael Carter, um culturista e instrutor de fitness, para não
mencionar fundador da http://www.disabilitydontmeancant.com.
"Ele tem o mesmo tipo de ataxia que eu tenho - SCA", diz Zoyeb. Ele
também tem várias ideias próprias. Ele espera ser capaz de desenvolver um
aplicativo móvel que coloca voluntários em contato com pessoas com necessidades
especiais. Dar de volta - isso é o que Iftikhar vem tentando ensiná-lo. E dar de
volta, ele vai.
O
que é a ataxia?
A palavra
"ataxia", vem da palavra grega, "ataxis", que significa
"sem ordem ou descoordenação". A palavra ataxia significa sem coordenação.
As pessoas com ataxia têm problemas de coordenação, uma vez que partes do
sistema nervoso que controlam o movimento e o equilíbrio são afetadas. A ataxia
pode afetar os dedos, mãos, braços, pernas, corpo, fala e movimentos oculares.
A palavra ataxia é muitas vezes usada para descrever um sintoma de
descoordenação que pode ser associada com infeções, lesões, outras doenças ou
alterações degenerativas no sistema nervoso central. A ataxia também é
utilizada para designar um grupo de doenças degenerativas específicas do
sistema nervoso, chamado de ataxias hereditárias e esporádicas.
Normalmente o equilíbrio e a
coordenação são afetados primeiro. A descoordenação das mãos, braços e pernas,
e o arrastar do discurso são outros sintomas comuns. O andar torna-se difícil e
é caracterizado por andar com os pés mais afastados para compensar a falta de
equilíbrio. A descoordenação dos braços e mãos afetam a capacidade de uma
pessoa para executar tarefas que requerem controlo motor fino, como escrever e
comer. Os movimentos oculares lentos podem ser vistos nalgumas formas de
ataxia. Conforme o tempo passa, a ataxia pode afetar a fala e a deglutição.
(artigo traduzido)
Comentários
Enviar um comentário