Um vaivém que transporta medicamentos através da barreira hemato-encefálica: uma ambulância para o cérebro
O cérebro é protegido por
uma barreira de células que firmemente regula o transporte de substâncias para
este órgão, a fim de prevenir infeções. A função essencial de proteção desta
barreira é também uma luz vermelha para 98% de fármacos candidatos ao
tratamento do sistema nervoso central. Os cientistas do Instituto de Investigação
em Biomedicina (IRB Barcelona, Espanha) apresentaram um serviço de transporte
capaz de atravessar a barreira hemato-encefálica e transportar várias
substâncias para o cérebro. A equipa de químicos do IRB Barcelona está agora a
estudar a sua aplicação para condições médicas específicas. Juntamente com investigadores
clínicos, estão a preparar tratamentos para o glioblastoma - cancro cerebral
mais agressivo em adultos-, ataxia de Friedreich - doença neurodegenerativa
hereditária -, e um tipo de cancro cerebral pediátrico.
"Estima-se que 20% das
pessoas, nalgum momento, vão precisar dum tratamento que tem como alvo o
cérebro", explica Meritxell Teixidó, investigador associado no IRB
Barcelona e líder desta linha de investigação, "e para muitas doenças
existem alguns bons medicamentos candidatos mas nenhum tem a capacidade de
atingir a sua meta e, portanto, há uma consequente perda de potencial. O nosso vaivém
oferece uma solução para uma necessidade clínica urgente". O trabalho foi
realizado no Laboratório de Peptídeos e Proteínas do IRB Barcelona. Dirigido
por Ernest Giralt, também professor sénior da UB, este laboratório é um dos
poucos laboratórios líderes mundiais dedicados a estes tipos de
empreendimentos.
Abre-te
Sésamo
A barreira hemato-encefálica
não é totalmente hermética, pois o cérebro constantemente requer oxigénio,
ferro, insulina, etc. Portanto, há mecanismos de transporte através de
"portas" que abrem e fecham de forma contínua. Aproveitando-se dos
recetores através do qual o cérebro recebe ferro, o vaivém-ambulância atravessa
a barreira sem interromper o fluxo de nutrientes ou alterar a função de
proteção da barreira. "Nós queríamos um veículo que exerceu apenas esta função
- um veículo que fosse pequeno (um peptídeo), e que tem permanência no sangue",
diz Roger Prades, aluno de doutoramento e primeiro autor do estudo, que durante
quatro anos investigou a química dos péptidos.
O valor terapêutico do vaivém
reside precisamente nestas duas propriedades, que o tornam único, ou seja, a
sua pequena dimensão, compreendendo apenas 12 aminoácidos, e sua permanência no
sangue entre 12 e 24 horas. "Os péptidos têm uma meia-vida no sangue de
muito poucos minutos. Como os péptidos são resistentes à protease, o seu desenvolvimento
terapêutico viável, pois ninguém quer tomar um medicamento a cada 5 minutos; além
do mais, estes péptidos podem ser produzidos em larga escala. Se fosse uma
molécula grande, isso seria economicamente complicado", explica Teixidó.
Em experiências preliminares com ratos, o estudo também demonstra a ausência
duma resposta imunitária e baixa toxicidade.
As
aplicações médicas
Os investigadores do IRB
Barcelona já estão a trabalhar em três projetos para doenças raras e
medicamentos órfãos. Em colaboração com o Instituto de Oncologia Vall Hebrón
(VHIO), Barcelona (Espanha), estão-se agora a concentrar em ligar um peptídeo a
um anticorpo terapêutico para tratar o glioblastoma – o cancro cerebral mais
agressivo em adultos.
Em colaboração com o
"Centro de Biologia Molecular Severo Ochoa de Madrid", os investigadores
estão a estudar um tratamento inovador para a ataxia de Friedreich - uma doença
neurodegenerativa hereditária rara. O objetivo é introduzir no vaivém um vetor
viral carregado com o gene que as células desses pacientes carecem, focando
particularmente os neurónios.
Recentemente, uma equipa do
"Hospital Sant Joan de Déu de Barcelona" entrou em contato com os
químicos do IRB Barcelona, a fim de adaptar o vaivém para moléculas úteis
para o tratamento dum tipo de cancro cerebral pediátrico em que a barreira está
intacta.
"Cada um destes
projetos requer a ligação duma carga terapêutica com características muito
distintas. Tudo o que aprendemos será útil para outras doenças que necessitam
de vaivéns semelhantes e para o desenvolvimento de peptídeos analógicos para
adicionar ao portfólio dos vaivéns", explica Teixidó.
Os inventores, Roger Prades,
Meritxell Teixidó e Ernest Giralt, em colaboração com o Gabinete de Inovação do
centro, patentearam a descoberta para garantir oportunidades para o seu
desenvolvimento futuro. "A indústria farmacêutica está a mostrar grande
interesse. Muitas empresas poderiam recuperar moléculas promissoras que já
foram descartadas e anexá-las aos nossos vaivéns", explicam os investigadores.
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