Até agora não há cura, nem "grandes tratamentos", para a ataxia, uma doença neurológica debilitante, dizem os médicos da UAB (Universidade do Alabama em Birmingham – EUA)
John Parnell de Pelham, 34,
toca guitarra, baixo e bateria, tem um estúdio de gravação em sua casa e tem
desfrutado de um amor pela música ao longo da vida. "Fazer música é o que
me faz feliz", disse Parnell em Março.
Mas
os dias de Parnell a tocar instrumentos podem estar, lentamente, a chegar ao
fim. Ele sofre de uma condição neurológica chamada ataxia degenerativa, que
pode gradualmente roubar as pessoas do uso de seus braços e pernas.
"Há uma parte do
cérebro que controla as funções motoras e a doença ataca essa parte",
disse Parnell. "É como estar bêbado, mas sem o estar."
"Um sintoma comum e
debilitante da ataxia é o desequilíbrio enquanto anda, a incoordenação quando usa
os braços e as mãos durante as atividades diárias e os distúrbios na
fala," disse o Dr. Harrison Walker, do Departamento de Neurologia da Universidade do Alabama em Birmingham
(UAB), que diagnosticou Parnell com ataxia em 2013, num e-mail.
Para saber mais sobre a
ataxia - causas, efeitos, diagnóstico, impacto emocional e psicológico, e
possíveis tratamentos – virámo-nos para Walker e para a Dra. Talene Yacoubian,
que fundou a Clínica de Ataxia da UAB em 2014.
O
que é a ataxia?
Como Parnell disse, a ataxia
é o resultado dum ataque ao cérebro. "A ataxia é geralmente devida a danos
ou disfunção do cerebelo, o qual se encontra na parte de trás do cérebro,"
disse Yacoubian num e-mail.
Ataxia - o nome vem da palavra grega "ataxis",
que significa "sem ordem" ou "falta de coordenação"
- é um termo clínico amplo, que abrange uma ampla variedade de distúrbios e
doenças.
Na verdade, a ataxia não é
classificada como uma doença ou distúrbio em separado, de acordo com os
neurologistas da UAB. "A ataxia não é uma única doença, mas uma descrição
clínica de anormalidades na coordenação", disse Yacoubian. "A ataxia
cerebelosa é uma síndrome com muitas causas e não está relacionada com uma
única doença", disse Walker.
Muitas
variedades, difícil de diagnosticar
Existem muitos tipos
diferentes de ataxia, e isto pode complicar os esforços para a diagnosticar
corretamente. Há "centenas de diferentes causas" para a ataxia
cerebelosa, de acordo com Yacoubian, que disse que algumas causas são
"genéticas (hereditárias)" e muitas mais são "esporádicas ou
adquiridas."
Essas causas "esporádicas"
podem incluir acidentes vasculares cerebrais, esclerose múltipla, deficiências vitamínicas,
abuso de álcool, toxicidade de medicamentos, doenças autoimunes, tumores e infeções.
As causas genéticas da
ataxia são "raras", de acordo com Yacoubian. "Há talvez 100-200
diferentes genes que têm sido associados com ataxias, mas a lista de mutações
genéticas que podem causar ataxia está a crescer rapidamente, devido aos
avanços tecnológicos no sequenciamento genético."
Os médicos de Parnell na UAB
ainda estão a tentar fazer um diagnóstico completo e final. "Eles sabem
que é uma forma de ataxia genética, mas não identificaram o tipo que
tenho", disse ele.
Parnell tem algum conforto
no fato de que a ataxia provavelmente não vai matá-lo ou prejudicar as suas
capacidades cognitivas, mas ele e sua esposa, Erin, não podem ter certeza
exatamente o quão longe os sintomas podem progredir. "Eu posso acabar numa
cadeira de rodas, um dia, mas eu ainda posso ter o uso dos meus braços",
disse ele. "Eu posso acabar numa cadeira de rodas e não ter o uso de meus
braços."
Não é incomum para os
pacientes enfrentarem este tipo de incertezas quanto à ataxia, de acordo com
Yacoubian. "Por causa do grande número de possíveis causas da ataxia, pode
demorar algum tempo para determinar a causa da ataxia dum paciente, e às vezes não
somos bem-sucedidos a encontrar a causa", disse ela.
Em alguns pacientes com
formas genéticas de ataxia, "a causa não é clara, mesmo depois de extensos
testes de diagnóstico", disse Walker.
Alguns tipos não-genéticos
de ataxia são um pouco mais fáceis de diagnosticar, de acordo com Walker.
"Se a ataxia é de uma lesão estrutural... a etiologia pode ser determinada
prontamente razoavelmente com imagens", disse ele, citando exemplos como
tumores e acidentes vasculares cerebrais.
Os sinais precoces da ataxia
incluem "Incoordenação ou desequilíbrio nas pernas, falta de coordenação
dos braços/mãos e fala anormal", disse Walker. "Os sinais podem ser
subtis no início."
Ainda
não há cura, nem "grandes tratamentos”
De momento, não há
"grandes tratamentos" e nenhuma cura para a ataxia, de acordo com
Walker.
"Por causa da grande
variedade de causas (da ataxia), um diagnóstico específico é muitas vezes
difícil de determinar para os pacientes – o que limita as suas opções de
tratamento", de acordo com a página web da Clínica de Ataxia.
No entanto, "dependendo
da causa" da ataxia dum paciente, "os medicamentos, por vezes, podem
ser úteis para os pacientes", disse Walker.
Parnell disse que há, por
exemplo, medicamentos que podem fazer as suas pernas se sentirem menos pesadas.
No entanto, os medicamentos têm efeitos secundários desagradáveis, tais como
sonolência. "Eu prefiro aguentar e lidar com isso, do que arruinar o meu
fígado mais do que eu já o fiz", disse ele.
Alguns dias são melhores do
que outros para Parnell, a quem já lhe custa andar. "Nos dias maus isso
afeta a minha voz e eu falo como se estivesse a insultar alguém", disse
ele. "Não afetou muito os meus braços. Tive alturas onde eles estiveram
fracos. Eu tenho alturas onde tenho o que chamo de tremeliques."
Sofrimento
emocional
A ataxia vem com uma carga
emocional e psicológica significativa para os pacientes e os seus entes
queridos. No caso de Parnell, significou Erin e a filha de dois anos de idade,
Nora.
O diagnóstico de Parnell - e
que ele e Erin posteriormente leram na internet sobre os efeitos devastadores
das diversas formas de ataxia – afetou-o bastante. "Eu não me vou sentar
aqui e mentir", disse ele. "Chorei."
Porque a ataxia carece de
uma cura ou tratamentos eficazes, os pacientes "muitas vezes sentem graves
deficiências que limitam a sua mobilidade, a sua capacidade de trabalho, a sua
capacidade para cuidar da família", disse Yacoubian.
"Compreensivelmente, os
pacientes com ataxia estão sob stress significativo e muitas vezes sofrem de
depressão e ansiedade", disse ela. "Algumas das ataxias também pode
causar comprometimento cognitivo que contribui para a deficiência."
Os familiares e cuidadores
"também estão sob muita pressão e podem sofrer um esgotamento", disse
Yacoubian.
Erin chama John "o
melhor marido e pai", e disse que ela está pronta para o desafio. "Eu
vou cuidar dele", disse ela. "É um voto de casamento que eu nunca vou
encarar de ânimo leve."
'Não
é um sintoma incomum'
Estima-se que 150 mil
americanos são afetados por ataxia genética ou esporádica, de acordo com a
Fundação Nacional de Ataxia (NAF).
Embora seja "muito
difícil" estimar o número de pessoas em Birmingham ou Alabama, que podem
ter ataxia, Walker disse que "não é um sintoma neurológico raro,
especialmente se se tiver de reunir todos os diferentes tipos de ataxia -
degenerativa, tumores cerebrais genéticos, derrames, esclerose múltipla - em
conjunto ".
A Clínica de Ataxia
realiza-se uma vez por mês e, normalmente, vê cerca de oito pacientes por
clínica, de acordo com Yacoubian. "Mas as marcações da clínica já estão
preenchidas até longe no futuro", disse ela. "Provavelmente, a
Clínica terá que ser realizada com maior frequência."
Muitos
estudos
Enquanto isso, a investigação
em ataxia está sendo realizada na UAB e muitos outros lugares, de acordo com
Yacoubian, que recentemente se tornou membro do Consórcio de Investigação
Clínica em Ataxias Espinocerebelosas, um consórcio nacional de investigadores.
Marek Napierala, um membro
do corpo docente do Departamento de
Bioquímica e Genética Molecular da UAB, está a realizar investigações
na ataxia de Friedreich e outras formas genéticas, de acordo com Yacoubian.
Há outros estudos ativos na
Europa e nos EUA. Muitos estudos são financiados pela Fundação Nacional de
Ataxia (NAF).
‘Eu
não tinha ideia do que era’
Parnell - que prometeu
gravar e lançar como música que puder enquanto puder, a maior parte pela sua própria editora - quer usar os seus
esforços para aumentar a consciência pública sobre a ataxia.
"O objetivo é chamar a
atenção para esta doença que eu tenho e que milhões têm, porque, para ser
sincero, não é uma doença que a maioria das pessoas conheça", disse ele.
"Eu não tinha ideia do que era até que fui forçado a olhar no espelho e
lidar com ela."
Comentários
Enviar um comentário