Ataxia Friedeich pelo Pr. Massimo Pandolfo em Maio de 2005


Tradução livre:

Um projecto de pesquisa de elevada qualidade pode conduzir a uma terapia para a Ataxia de Friedreich

Ataxia de Freidreich (FA) é uma doença hereditária autossómica recessiva caracterizada por uma progressiva deficiência neurológica, por cardiopatia hipertrófica e por um crescente do risco de diabetes mellitus. Os pacientes comummente apresentam anormalidades no esqueleto tais como “Kyphoscoliosis” e pés cavus.

Os primeiros sintomas normalmente aparecem em criança, mas o aparecimento destes pode variar da infância para a idade adulta. Depois dos dez para os quinze anos da doença, a perda progressiva da coordenação e do equilíbrio resulta no uso da cadeira de rodas e na necessidade de ajuda para todas as actividades diárias. A capacidade para comunicar é comprometida por problemas em articular as palavras (disartria). Em alguns casos, a perda visual leva a atrofia dos nervos ópticos e a perda de audição prejudica ainda mais a comunicação. A função cognitiva é preservada e não é fora do comum ver pacientes com FA bem sucedidos no colégio e na Universidade apesar dos seus problemas físicos. Em adição ao envolvimento do sistema nervoso, a outra manifestação clínica da FA pode substancialmente agravar o quadro clínico. Alguns pacientes têm uma muito severa cardiomiopatia que pode causar a morte prematura por insuficiência cardíaca ou arritmia. As complicações das diabetes podem aumentar o contributo para o fardo da doença e deficiência. A frequência da FA em Caucasianos e em Médio Orientais é aproximadamente 2 ou 3 em 100.000 nascimentos. A FA é consequentemente uma doença rara.

Como é o caso para quase todas as doenças neurológicas, não há correntemente um tratamento para parar a progressão da FA. Além disso, não há tratamentos efectivos dos sintomas para a FA, como há, por exemplo para a doença de Parkinson. A terapia física e ocupacional, a terapia da fala, o tratamento das complicações cardíacas e a diabetes, de facto permite melhorar a qualidade e a duração de vida dos indivíduos com FA, mas o processo neurodegenerativo inflexivelmente continua a sua progressão.

Uma resposta ao sofrimento dos pacientes com FA e das suas famílias só pode vir da pesquisa. Quase 10 anos depois da descoberta da mutação do gene que causa a FA, nós estamos agora num estado crítico para a pesquisa. O conhecimento acumulado das causas e dos mecanismos celulares e molecular subjacente a FA, junto com o desenvolvimento de novas abordagens para a farmacologia, terapia celular e molecular pode agora fornecer novas possibilidades para parar esta doença.

O gene do FA (FRDA) codifica a proteína de 210 amino-acidos chamada frataxina. Este gene expressa-se em todas as células, mas o nível das expressões varia em diferentes tecidos e durante o desenvolvimento. A frataxina é localizada dentro da mitocôndria, nos “organelles” intracelular onde a respiração celular ocorre, assim como noutras funções metabólicas. A FA é consequência de um deficit da frataxina. A mutação que causa a doença na maioria de pacientes é a expansão de uma tripla repetição GAA no primeiro intron do gene. O número das triplas repetições GAA nos cromossomas normais é de 35 a 40, elas são geralmente 8 ou 9. Nos cromossomas da FA são de 90 a mais de mil triplas repetições, geralmente diversas centenas. Os indivíduos afectados por esta expansão são “homozygous”, ao passo que os portadores são “heterozygous”. Os alelos expandidos são instáveis durante a transmissão pai-filho e também em tecidos diferentes durante o desenvolvimento.
A expansão de GAA inibe a expressão do gene da frataxina porque altera a estrutura do DNA, parando a síntese do mRNA. No local da expansão de GAA, o DNA tem tendência a dobrar-se sobre si próprio e adopta uma complicada estrutura helicoidal tripla que não permita o avanço do “polymerase” do RNA. Esta estrutura helicoidal tripla está em equilíbrio com a hélice dupla fisiológica. O DNA flutua entre estes dois estados, mas somente a hélice dupla fisiológica permite a expressão do gene. A hélice tripla fica mais estável à medida que a expansão fica maior.
Consequentemente, a expressão da frataxina diminui com um crescente número de triplas repetições de GAA. Conforme as circunstancias, a idade de início e a severidade da doença são, em parte, determinadas pelo comprimento da expansão de triplas repetições. A maioria dos pacientes têm níveis de frataxina ao redor de 5 a 10 por cento do normal. Os caso de início mais tardios podem ter até 20 - 25 por cento do normal. Os portadores “heterozygous” saudáveis têm ligeiramente mais de 50 por cento do normal e não têm nenhum sinal ou sintoma da doença. Se o gene da frataxina é posto de parte no rato, os animais em que esta proteína é completamente ausente morrem durante o desenvolvimento embrionário, demonstrando o papel essencial da pequena quantidade de frataxina que é produzida pelos pacientes com FA.

Estes dados (achados/descobertas) sugerem possíveis abordagens terapêuticas destinadas a restaurar os níveis de frataxina. Se fosse possível aumentar a produção de frataxina nos pacientes, mesmo a níveis similares àqueles dos portadores saudáveis, possivelmente poderia parar o curso a doença e talvez mesmo induzir alguma melhoria. Um aumento da produção da frataxina podia ser obtida:

1. Com a terapia da recolocação do gene, isto é, introduzindo o gene da
frataxina sem a expansão de GAA nas células dos pacientes;
2. Dando directamente a frataxina. A proteína deve, entretanto, ser modificada
em tal maneira a poder alcançar as células do nervo afectadas pela doença e
a mitocôndria dentro destas células;
3. Intervindo na expansão de GAA com moléculas que podem destabilizar a
estrutura helicoidal tripla e deslocar o equilíbrio para a hélice dupla
fisiológica que permite a expressão da frataxina. Alguns derivados
poliamidos pyrrole-imidazole podem ter este tipo das propriedades.

Estas abordagens estão actualmente em estudo nos laboratórios de pesquisa na Europa, América e Austrália.

Possibilidades adicionais para tratar a doença podem vir dos estudos da função da frataxina. Uma proteína que corresponde à frataxina está presente na mitocôndria de todos os organismos vivos que têm um núcleo (eukaryotes). As homólogas da frataxina também estão presentes em muitas bactérias. A função da frataxina parece estar relacionada com o papel Chave da mitocôndria no metabolismo do ferro. A maioria do ferro é utilizada certamente na mitocôndria para a síntese de duas estruturas químicas essenciais: heme e iron sulfur clusters (ISC). Heme liga o oxigénio na “hemoglobin” e isto é contido em muitos componentes da cadeia respiratória (cytochromes). ISCs são cofactores essenciais para diversas enzimas, particularmente na “aconitase” e nos complexos I, II, e III da cadeia respiratória. A “cytosolic” forma da “aconitase”, também contém um ISC e tem um papel central no controle da “homeostase” do ferro que depende directamente da presença deste ISC.

A frataxina tem um papel, claramente demonstrado, nas sínteses de ISC, em detalhe com sua interacção com Isu1, uma proteína que funciona como um cadafalso em que cada ISC é montada. A frataxina pode também ter um papel directo nas sínteses do “heme”, mas este é ainda controverso. Um deficit da frataxina causa uma diminuição importante nas sínteses do ISC e consequentemente um deficit funcional das enzimas que necessitam destes cofactores. Assim, o metabolismo energético e a cadeia respiratória são afectados, particularmente.

Para realizar a sua função é possível que a frataxina actue como um acompanhante do ferro. Propõem-se isto pois, ligando o ferro na mitocôndria, a frataxina protege-o das espécies reactivas do oxigénio que são particularmente abundantes neste compartimento e o faz bio utilizável para as sínteses de ISC e de heme. De acordo com esta hipótese, uma acumulação de ferro oxidado observada na mitocôndria é causada por uma deficiência de frataxina, em modelos experimentais e no coração de pacientes do FA.

Quando o ferro não é protegido pela frataxina, este entra em contacto com um super óxido e hidrogénio peróxido que é gerado na mitocôndria, dando forma a radicais livres tóxicos como o OH-radical com a reacção de Fenton. Assim, aos danos oxidados podem juntar-se, e possivelmente agravar, o deficit de energia e de respiração. Um círculo vicioso pode ocorrer, uma cadeia respiratória disfuncional que faz mais e mais super óxidos que reagem com o ferro gerando radicais livres que aumentam os danos da cadeia respiratória.

Baseado nas descobertas acima, as abordagens terapêuticas apontadas para controlar os radicais livres e para a activação cadeia respiratória, podem ser propostas. Uma possibilidade intrigante seria a utilização de pequenas moléculas que são capazes substituir a frataxina, ligando e protegendo o ferro mitocôndrial e aumentando a sua bio-validade. A respeito das moléculas anti-oxidantes e dos estimulantes da cadeia respiratória, alguns derivativos do coenzyme Q (idebenone, CoQ-10) têm dado já resultados prometedores, não somente em modelos experimentais, mas também em experiências clínicas, pelo menos na cardiomiopatia da FA. Finalmente, os testes “high-throughput” automatizados para avaliar um grande número moléculas para que a sua capacidade corrija as consequências funcionais da deficiência de frataxina.
Uma possibilidade suplementar para tratar a FA pode vir das terapias celulares, em particular no uso de células de tronco. Esta abordagem tem ainda muitos problemas. Um dos obstáculos principais é a natureza difundida da neurodegeneração na FA, que requereria para difusamente entregar células no sistema nervoso central dos pacientes. Adicionais problemas concernem todas as etapas de uma possível terapia da célula, incluindo descobrir a melhor fonte de células, o tratamento “optimal” das células antes da transplantação, as melhores modalidades da transplantação. Para uma abordagem racional, as embrionárias assim como as fetais e as adultas células do tronco devem ser avaliadas. As células do tronco adultas de outros tecidos daquele sistema nervoso central (CNS) devem também ser consideradas. As possibilidades de “trans-differentiation”, “retro-differentiation” ou de fusões das células de tronco dos diferentes tecidos adultos devem rigorosamente ser avaliadas. As modalidades de promover a entrega difusa das células a todas as áreas afectadas do CNS, necessitam de ser investigada. Uma coisa boa é que a pesquisa das células de tronco é actualmente é tão activa e produtiva que uma possível aplicação para a FA, começa mais e mais a ter valor de investigação.

Todas as abordagens terapêuticas acima mencionadas devem ser testadas em modelos apropriados da doença antes que possam ser propostas para o uso clínico. Daqui, a importância de gerar modelos animais apropriados. Estes são essenciais não somente para esta finalidade, mas também para uma finalidade mais geral de estudar a patogenia e a função da frataxina. A mortalidade dos embriões do “knock-out” dos ratos foi imposta para gerar diferentes modelos. A técnica condicional do “knock-out” conduz ao apagamento do gene da frataxina somente num estado específico e em tecidos específicos, o que permitiu desenvolver modelos de rato bons para a cardiomiopatia e para a neurodegeneração causadas pela deficiência da frataxina. Estes modelos são claramente úteis para avaliar a farmacológica, a terapias do gene, a terapia da proteína, e as abordagens das células-tronco. A “knok-in” no modelo de rato, em que a expansão de GAA foi introduzida no gene endógeno da frataxina, expressa aproximadamente 25 por cento dos níveis “wild-tip” da frataxina. Esta quantidade é suficiente para impedir o desenvolvimento de sinais e de sintomas clínicos durante a vida do rato. Entretanto, através da expressão do gene perfilando os métodos, estes ratos foram encontrados para ter uma resposta homeostatic complexa compensatória à deficiência da frataxina que está fornecendo dados importantes na patogenia. Além disso, este modelo pode ser utilizado para avaliar os compostos que actuam nas repetições GAA como os poliamides pirrole-imidazole.

Outros modelos que estão sendo desenvolvidos actualmente utilizam uma pequena técnica inibitória do RNA para diminuir grandemente os níveis da frataxina. Os modelos siRNA são designados de tal maneira para permitir que o experimentador variar os níveis da frataxina à vontade, e consequentemente para avaliar o quanto reversível é o dano causado pela deficiência da frataxina.

Para tirar partido destas novas possibilidades terapêuticas que são oferecidas pela pesquisa básica, nós necessitamos de designar rigorosos protocolos clínicos para avaliar os pacientes com FA em experiências clínicas. Há em particular a necessidade de uma escala para a avaliação clínica de confiança e reproduzível que possa ser utilizada por investigadores em diferentes centros. Isto é muito importante, porque a raridade da FA torna-a necessária para empreender experiências em múltiplos centros a fim recrutar um número suficiente de pacientes para os significantes resultados esperados.

Uma apropriada escala clínica validada será parte de um protocolo alargado, que incluirá também instrumentos para avaliar a qualidade de vida, as capacidades funcionais, e alguns “biomarkers”. Estes são marcadores directos da patologia subjacente à doença. “Biomarkers” podem incluir imagens quantitativas, assim como parâmetros bioquímicos e neurofisiológicos. Nesta consideração, a espectroscopia da ressonância magnética e os marcadores oxidados do stress do sangue e da urina já têm sido utilizados nos estudos piloto e mostrados a sua utilidade potencial. Outras técnicas, como a imagem de difusão do tensor, os potenciais motores evocados, alguns reflexos como o reflexo pisca, são prometedoras e necessitam de ser investigados.

Em conclusão, o nosso conhecimento actual na etiologia e na patogenia da FA, os agradecimentos obtidos à descoberta do gene em 1996, junto com o progresso espectacular recente da biologia farmacológica, molecular e celular, permitem agora encarar um grande projecto para desenvolver e avaliar o tratamentos da FA. Tal projecto, se bem sucedido, teria também um impacto em outras desordens neurodegenerativas raras e menos raras, ambas dentro do termo dos avanços científicos e como um modelo organizacional. Entretanto, para ter possibilidades de sucesso reais, um esforço maior é necessário para trazer junto as diferentes competências científicas e clínicas e para obter a sustentação material suficiente.
Um bom número de excelentes grupos de pesquisa está actualmente envolvido na pesquisa básica e clínica da FA, muitos na Europa e mais e mais na América e na Austrália. Cada um destes grupos é capaz de trazer a sua própria contribuição original, que é potencialmente importante para o resultado final. Se nós formos bem sucedidos em estimular grupos pesquisa de nível superior em áreas como farmacologia experimental, bioquímica do ácido nucleico, bioquímica da proteína, biologia das células do tronco, para juntar a este projecto, a possibilidade para uma terapia para o FA transformar-se-ia um alvo realístico.

May, 2005 – Pr. Massimo Pandolfo

Enviado por: Ana Pereira

Comentários

  1. É a primeira vez que venho aqui comentar. Espero que este blog tenha muito sucesso e que as pessoas venham cá ler, pois é muito importante que as pessoas conheçam as doenças, as suas caracteristicas e as suas curas.
    Um Grande beijinho e boa sorte.

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