Cadeirante supera preconceito e é eleita a musa do topless no Rio (Brasil)
A
cadeira de rodas veio antes da carreira de modelo na vida da carioca Natache
Iamayá, de 32 anos. Ela começou a perder os movimentos das pernas aos 14
anos e onze anos depois teve de adotar a cadeira como principal
instrumento de locomoção.
Mas
isso não foi impedimento para que a sua beleza chamasse a atenção e ela fosse
eleita por um corpo de jurados uma das musas do topless no Rio de Janeiro em
dezembro passado. Natache e a bailarina Karla Klemente, eleita pelo público
através de votação na internet, serão apresentadas oficialmente ao público no
próximo dia 20, na praia de Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro.
O
primeiro trabalho de Natache foi um editorial de moda adaptada. “Fiz trabalhos
desse tipo, mas o mercado de moda é muito segmentado e eu comecei a procurar
trabalhos que integrassem cadeirantes e andantes. Sei que sou baixa [tem um
1,58 cm] e não sou magra, esquálida. Não dá para fazer passarela, mas o
trabalho de modelo é muito mais que isso”, afirma.
Entre
um e outro trabalho específico para os cadeirantes, Natache foi convidada para
participar do concurso Topless in Rio, criado pela jornalista Ana Paula
Nogueira, que ficou conhecida em 2013, quando foi eleita 1ª miss top less da
cidade.
“A
ideia deste concurso era democratizar. A gente prega a liberdade para o
corpo, quer quebrar os estereótipos dos concursos de beleza. Não exigimos um
tipo físico específico e nem limites de idade. Só tinha de ser mulher,
mas podia ser transexual, desde que tivesse mais de 18 anos”, explica Ana
Paula.
Nesta
proposta Natache encontrou uma forma de atuar como modelo, sem que isso estivesse
atrelado a sua condição de cadeirante. “Já tinha me decepcionado com um
concurso anterior. Estava concorrendo, mas quando falaram que minha cadeira não
era uma coisa passageira, fui desclassificada”, diz.
Apesar
de o nome topless sugerir que as musas só farão fotos com os seios a mostra,
Natache não tirou a blusa para ganhar o concurso.
Ataxia
de Friedreich
Porta
voz desta luta contra o preconceito, a vencedora Natache tem uma doença rara, a
ataxia de Friedreich, e começou a notar os primeiros sintomas quando ainda
tinha 14 anos.
"Minha
infância foi normal. Eu fazia de tudo, estudava e saía muito com amigos. Nunca
tive nenhum problema. Quando fiz 14, comecei a reparar que estava andando
desengonçada, deixava as coisas cair, minha voz começou a falhar e a ficar mais
baixa”, relembra.
A
partir daí começou uma batalha – que ela associa ao seriado House (de enigmas
médicos) – para descobrir o que estava causando os sintomas.
“Foram
cinco anos de tratamentos inconclusivos, de diagnósticos de tumor, esclerose
múltipla, Esclerose Lateral Amiotrófica [ELA]. Foram vários diagnósticos sem
que os médicos descobrissem o que eu tinha. Até que fiz um exame chamado
eletroneuromiografia, que apontou que poderia ser ataxia [transtorno que afeta
a o equilíbrio]. Fiz um teste genético e apontou ataxia de Friedreich”, diz.
“Saber
o que tinha me deu um alívio, mas também fiquei com medo porque não sabia aonde
essa doença ia me levar. Eu só via minha condição piorar.”
Foi
neste período que desenvolveu uma depressão. Em parte, diz ela, por conta do
preconceito das pessoas, que a viam tropeçar e cair e achavam que ela estava
bêbada ou drogada, sem saber que aos poucos ela estava perdendo o movimento das
pernas. "Passei um período mal, com depressão, não saia de casa e não
falava com as pessoas”.
Para
se livrar do quadro de apatia, Natache resolveu voltar a estudar e se
matriculou no curso de Direito. Mas o avanço da doença a impediu de continuar a
frequentar as aulas. “Parei quando comecei a precisar de ajuda para ficar em
pé”, disse.
Segundo
o neurologista José Luiz Pedroso, membro da Academia Brasileira de Neurologia e
professor afiliado da Universidade Federal de São Paulo, a ataxia de Friedreich
é uma doença rara, progressiva, de origem genética e recessiva e que se dá pelo
cruzamento de um gene alterado da mãe e do pai.
Segundo
o médico, a doença ataca uma em cada 50 mil pessoas, os sintomas começam a
aparecer entre os 11 e os 16 anos e não tem cura.
“É
uma doença de lenta evolução, mas não existe nenhum remédio comprovado para
combatê-la. O que recomendamos é um tratamento multiprofissional, com
reabilitação, fonoaudiologia, nutricionista e fisioterapia, além de remédios
para tratar as consequências, como dor, alterações na parte ortopédica,
diabetes e cardiopatia”.
Exercícios
físicos
Natache
encontrou nos exercícios físicos uma forma de se manter ativa e atrasar a
evolução da doença. “Montei uma rotina com prioridade para os meus tratamentos.
Faço musculação todos os dias. Isso é bom física e mentalmente para mim. Não
sou marombeira. O exercício é parte do meu tratamento para recuperar o tônus
muscular”.
Além
disso, a modelo tem consultas com fonoaudiólogo, aulas de pilates e estimulação
russa (tratamento de tonificação muscular através de aparelho de
eletroterapia). “Para outras mulheres, isso é tratamento de beleza, mas para
mim ajuda na respiração”.
Natache
diz também se “forçar” a sair de casa, ficar em pé e subir escada para não
parar totalmente de movimentar o corpo. “Fico muito cansada com todas essas
atividades, parece que tenho 80 anos. Mas tenho de fazer”.
Vaidosa,
Natache também não dispensa uma visita semanal ao cabelereiro. “Fico bonita,
independente da doença”. Quando questionada do que mais sente falta da
época em que andava, ela não pensa duas vezes. “Dançar e usar salto. Adorava e
pegava até os sapatos da minha mão escondidos”.
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