Uma pequena vida (a little life): um relato literário de uma odisseia na procura de um diagnóstico de uma doença rara




Uma doença rara desempenha um papel no recente romanceLittle Life (uma pequena vida), de Hanya Yanagihara, mas não como tema central ou principal linha de enredo. As principais linhas de enredo dizem respeito às consequências da violência sexual, muitos das quais são eles próprias violentas e trágicas. As secções que se focam na doença rara servem apenas para explicar as ações de uma figura importante no livro. Embora estas secções sejam poucas e breves, são pungentes e mergulham os leitores mais profundamente na experiência do que o relato mais comum de uma maldita coisa depois da outra. Em particular, estas secções relatam odisseias de diagnóstico de doenças raras e os laços que podem persistir entre os pais, após pressões de experiências de doenças raras, nos seus casamentos. 
 
Refiro-me a este romance como ficção literária para distingui-lo de outros tipos de livros que falam de doenças rara, como memórias, biografias, autobiografias, fotobiografias e histórias. Estas outras formas com certeza que fornecem pontos de vista importantes sobre as experiências com doenças raras, mas ficção literária transcende meras descrições de eventos organizados em sequências cronológicas. As representações literárias levam os leitores desde a reconhecer situações particulares até imaginar as dimensões mais amplas que transmitem, após testemunhar eventos para sentir as consequências que geram. 
 
Uma das situações abrangidas em A Little Life será reconhecida por muitas pessoas que lidam com uma doença rara, a "odisseia do diagnóstico." Nesta seção, Harold descreve a odisseia que ele e sua mulher Liesl, uma médica, foram forçados a enfrentar para encontrar o que estava errado com o seu filho de quatro anos (Jacob), que se estava a deteriorar à frente dos seus olhos. 
 
E então começaram os meses de ir de um médico para outro, de tirar o sangue a Jacob e monitorizar o seu cérebro e testar os reflexos e analisar a vista e examinar a audição. Todo o processo foi tão invasivo, tão frustrante - eu não sabia que havia tantas maneiras de dizer 'eu não sei' até que conheci esses médicos - e às vezes eu pensava em como é difícil, como impossível deve ser para pais que não têm as ligações e conhecimentos que temos, que não tiveram a educação científica de Liesl. Mas essa educação não tornava mais fácil ouvir o Jacob gritar quando era picado com agulhas, tantas vezes que uma veia, um no braço esquerdo, começou a entrar em colapso, e todas essas ligações e conhecimentos não o impediram de ficar mais e mais doente, de ter mais a mais convulsões, e ele tremia e espumava, e emitia um grunhido, algo primitivo assustador e num tom muito baixo para uma criança de quatro anos, quando sua cabeça batia de lado a lado e as mãos se retorciam." (p. 389-90) 
 
Esta descrição dá credibilidade à expressão "odisseia" para as viagens que as famílias fazem à procura de um diagnóstico para uma doença rara, aludindo às agruras por que Ulisses passou ao fazer o seu caminho para casa depois da guerra de Troia em a “Odisseia” de Homero. Os 10 anos que Ulisses demorou a chegar a casa não está muito longe do tempo para obter um diagnóstico para uma doença rara. 
 
O livro também aborda as pressões que as doenças raras podem exercer sobre os casamentos. O casamento de Harold e Liesl não poderia suportar a doença e a morte de Jacob. Mas, enquanto a experiência acabou com o seu casamento, não poderia acabar com toda a ligação entre eles, mesmo depois de ambos casarem de novo e viver em pontos opostos do país. Harold descreve como essligação continua a manifestar-se. 
 
Tínhamos feito alguém juntos e tivemos que assistir à sua morte juntos. Às vezes eu sentia que havia algo físico que nos ligava, uma longa corda que se estendia entre Boston (EUA) e Portland (EUA): quando ela puxava a sua ponta, eu sentia. Onde quer que ela fosse, onde quer que eu fosse, esse fio brilhante que era esticado e puxado, mas nunca rompidolembrando-nos a cada movimento do que nunca teríamos novamente. (p. 395) 
 
Muitas pessoas na comunidade das doenças raras vão achar o destino deste casamento credível. Quando processado como o é no livro, também podem encontrar a catarse nisso, que os esforços literários visam atingir. 
 
Apresso-me a reiterar que doença rara não é central neste livro e que o principal diz respeito às consequências da violência sexual e outras tragédias. Enquanto o livro é apelativo de muitas maneiras - finalistdo Man Booker Award 2015 - nem todos podem tolerar a violência e sofrimento que aparece em muitas das suas páginas. 
 

(artigo traduzido) 


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