Ataxia cerebelosa: causas, sintomas e tratamento


   
Por Cinta Martos Silván 

 
A ataxia cerebelosa é uma doença neurodegenerativa caracterizada pela atrofia cerebelar progressiva. Isso produz uma perda de neurónios localizados nesta área (células Purkinje). Assim, é gerada principalmente uma deterioração da função motora, equilíbrio, marcha e fala. 
A palavra ‘ataxia’ provém do grego "a" que significa "sem" e "taxia", que significa "ordem". Assim, a palavra ataxia pode ser traduzida como "falta de ordem". 
ataxia cerebelosa é um dos distúrbios motores que mais ocorre em doenças neurológicas. Os cientistas descreveram cerca de 400 tipos desta ataxia. 
É causada por danos no cerebelo, assim como nas suas vias de receção e de saída. 
O cerebelo é uma das maiores estruturas de nosso sistema nervoso e pode conter mais de metade dos neurónios do cérebro. Está localizado na parte traseira e inferior do cérebro, à altura do tronco cerebral. 
Estudos têm demonstrado que os neurónios localizados no cerebelo relacionam-se com os padrões de movimento, participando nas funções motoras. 
Especificamente, esta estrutura é responsável por planear sequências motoras por todo o corpo, coordenação, equilíbrio, uso da força e precisão dos movimentos, etc. 
Além disso, parece exercer controlo nas funções cognitivas como atenção, memória, a linguagem, as funções visuo-espaciais ou as funções executivas. Isto é, regula a capacidade, a velocidade e mantém-nos para atingir o objetivo da tarefa. Ajuda a detetar e corrigir erros no pensamento e comportamento. 
Também parece ter um papel importante na memória processual. 
Portanto, um paciente com ataxia cerebelosa pode ter dificuldade em regular os seus próprios processos cognitivos, assim como os movimentos do seu corpo. 
Normalmente esta doença ocorre igualmente em homens e mulheres. Em termos de idade, pode aparecer em crianças e adultos. Obviamente, se, devido a processos degenerativos na qual o dano progride ao longo do tempo, a ataxia cerebelosa afeta mais os idosos. 

Causas 
ataxia cerebelosa pode resultar de várias causas. Estas podem ser divididas em dois grandes grupos, hereditárias e adquiridas. Então vamos ver as mais comuns: 
Hereditárias 
Existem várias doenças que são autossómicas recessivas. Ou seja, o gene mutante tem que ser transmitido pela mãe e pelo pai, de maneira a ser hereditária 
- Ataxia de Friedreich (FRDA): é uma doença neurodegenerativa hereditáriaAfeta o tecido nervoso da medula espinal e os nervos que controlam os músculos. 
- Ataxia Telangiectasia: também conhecida como síndrome de Louis-Barr, é causada por uma mutação no gene ATM, localizado no cromossoma 11. O primeiro sintoma é uma marcha instável, que mostra que a criança inclina-se para um lado e cambaleia. 
Abetalipoproteinemia ou doença de Bassen-Kornzweigcausada por um defeito no gene que diz ao corpo para produzir lipoproteínas. Isto faz com que seja difícil digerir a gordura e certas vitaminas, além da ataxia cerebelosa. 
- Desordens mitocondriais: doenças causadas pela deficiência em proteínas mitocondriais que estão relacionadas com o metabolismo. 
Entre as causas hereditárias há outras que são autossómicas dominantes. Ou seja, apenas é necessário receber um gene mutante de um dos dois progenitores para herdar a doença.  
- Ataxia espinocerebelosa 1: é um subtipo de ataxia espinocerebelosa. O gene afetado está localizado no cromossoma 6. É caracterizada pelo facto de o cerebelo passar por um processo de degeneração e ocorre geralmente em pacientes com mais de 30 anos. 
- Ataxia episódica: é um tipo de ataxia é caracterizada por ocorrem esporadicamente e durar alguns minutos. As mais comuns são a AE-1 e a AE-2. 
Adquiridas 
As causas da ataxia cerebelosa também pode ser adquiridas. Seja por vírus ou outras doenças que afetem o sistema nervoso e que pode comprometer o cerebelo.  
- Malformações congénitas: como a síndrome Dandy-Walker, síndrome Joubert e síndrome Gillespie. Ao todo, são defeitos no cerebelo que causam ataxia cerebelosa. 
Lesões cerebrais traumáticas: ocorre quando o dano físico ao cérebro ocorre, afetando o cerebelo. Geralmente surgem devido a acidentes, quedas, ou outro agente externo. 
- Tumores cerebrais: tumor cerebral é uma massa de tecido que cresce no cérebro e pode afetar o cerebelo, pressionando-o. 
- Hemorragia no cerebelo. 
Exposição a toxinas, tais como mercúrio ou chumbo. 
- Défice adquirido de vitaminas ou distúrbios metabólicos. 
- Consumo de álcool ou de medicamentos antiepiléticos 
- Varicela: é uma doença infeciosa causada pelo vírus da varicela-zoster. Geralmente ocorre em crianças entre 1 e 9 anos de idade. 
Embora inicialmente apareça como uma erupção na pele e sendo benigna, pode ter complicações mais graves, como a ataxia cerebelosa. 
- Vírus de Epstein-Barr: um vírus da família do herpes-vírus e um dos seus sintomas é a inflamação das glândulas linfáticas. Embora possa ocorrer em crianças sem sintomas, em adultos pode ser mais sério. Uma das complicações é a ataxia cerebelosa. 
- Vírus Coxsackie: um vírus que vive no trato digestivo dos seres humanos. Desenvolve-se mais em climas tropicais. Afeta principalmente crianças e o seu principal sintoma é a febre, embora em casos graves, possa causar ataxia cerebelosa. 
- Degeneração cerebelosa paraneoplásica: é uma doença muito rara e de difícil diagnóstico, onde ocorre uma degeneração cerebelosa progressiva. A causa mais comum desta doença é o cancro do pulmão. 

Sintomas 
A ataxia cerebelosa é caracterizada pelos seguintes sintomas: 
- Tremores: que aparecem quando o paciente tenta executar ou manter uma posição. 
- Dissinergia: incapacidade de se mover articulações, simultaneamente. 
- Dismetria: o paciente não é capaz de controlar a extensão do movimento, e não tem equilíbrio suficiente para ficar de pé. É incapaz de realizar tarefas motoras finas, como escrever ou comer. 
- Adiadococinesia: isto é, a incapacidade de realizar movimentos alternados rápidos e sucessivos. Podem ter problemas em inibir um impulso e substituí-lo por outro oposto. 
Então, tem dificuldades para alternar movimentos de supinação (palma para cima) e pronação (palma para baixo) da mão. 
- Astenia: caracterizada por fraqueza muscular e cansaço físico. 
Hipotonia: baixo tónus ​​muscular (grau de contração muscular). Isso faz com haja dificuldades na posição bípede (estar de pé sobre as pernas). Assim como em caminhar. 
- Tropeções e marcha instável. 
Nistagmo: movimentos oculares incontroláveis ou repetitivos. 
- Disartria: distúrbios da fala, existe uma dificuldade em articular sons e palavras. Pode haver lentidão na produção da voz, ênfases excessivas e pseudo-gaguez. 
- Alterações nas funções executivas como planeamento, flexibilização, raciocínio abstrato e memória de trabalho. 
- Mudanças de comportamento, tais como desinibição ou comportamento inadequado. 
- Dores de cabeça. 
- Tonturas. 

Diagnóstico 
O médico deve realizar um exame completo que pode incluir um exame físico, bem como testes neurológicos especializados. 
O exame físico é necessário para verificar a audição, memória, equilíbrio, visão, coordenação e concentração. 
Os exames especializados incluem: 
- Eletromiografia e estudo da condução nervosa: para verificar a atividade elétrica dos músculos. 
- Punção lombar para examinar o líquido cefalorraquidiano. 
Os exames de imagem, como tomografia computadorizada (TAC) ou ressonância magnética, para procurar danos cerebrais. 
- Hemogramas completos: para ver se existem anomalias no número de células sanguíneas e para verificar a saúde geral. 

Tratamento 
Quando ataxia cerebelosa aparece devido uma doença subjacente, o tratamento visa aliviar a causa principal. É também aconselhável tomar medidas para melhorar, tanto quanto possível, a qualidade de vida dos pacientes, a sua mobilidade e funções cognitivas. 
Quando é um vírus que causa a ataxia cerebelosa, geralmente não há tratamento específico. A recuperação total é alcançada em poucos meses. 
Se  outras causas, o tratamento irá variar de acordo. Assim, a cirurgia pode ser necessária se a ataxia se dever a uma hemorragia no cerebelo. No entanto, se tiver uma infeção, podem ser prescritos medicamentos antibióticos. 
Além disso, se a ataxia se dever a falta de vitamina E, podem ser administradas doses elevadas de suplementos para aliviar esta deficiência. Este é um tratamento eficaz, embora a recuperação seja lenta e incompleta. 
Podem ser prescritos medicamentos anticoagulantes quando  derrames cerebrais. Há também medicamentos que são específicos para tratar a inflamação do cerebelo. 
Quando se trata de ataxias cerebelosas neurodegenerativascomo outras doenças degenerativas do sistema nervoso, não existe cura ou tratamento para resolver o problema. Em vez disso, são tomadas medidas para retardar a progressão dos danos. E melhorar a vida do paciente tanto quanto possível. 
Nos últimos anos, tem havido grandes avanços na investigação da genética molecular. Têm revolucionado a maneira em que as ataxias cerebelosas progressivas são classificadas e diagnosticadas. Embora isto se reflita muito lentamente nas terapia genéticasneuroprotetoras ou neurorestauradoras. 
Os cientistas insistem que é necessário realizar testes para determinar a causa. Uma vez que haja avanço no conhecimento da patogenia (causas), ajudará a conceção de novos tratamentos. 
Atualmente, existem muitos estudos que apontam para reabilitação neurológica, o que implica um grande desafio. O que se busca é melhorar a capacidade funcional do paciente para compensar os seus défices, através de técnicas que melhorem a sua adaptação e recuperação. 
Isto é conseguido usando reabilitação neuropsicológica, física, ocupacional... Assim como outras terapias para ajudar a fala e deglutição. 
Também pode ser muito útil usar equipamentos de adaptação para ajudar os pacientes cuidar de si mesmo, bem como aconselhamento nutricional. 
Existem alguns medicamentos que parecem eficazes para melhorar o equilíbrio, a falta de coordenação ou de disartria. Por exemplo, a amantina, a buspirona e a acetazolamida. 
Os tremores também podem ser tratados com clonazepam ou propanonol. Para nistagmo também tem sido gabapentinabaclofeno ou clonazepam. 
Devemos esclarecer que algumas das síndromes cerebelosos associados a outras características envolvem outros sistemas neurológicos. Assim, podem ocorrer fraqueza motora, problemas de visão, tremores, demência, etc.  
Isto pode dificultar o tratamento dos sintomas atáxicos ou piorar com o uso de certos medicamentos. Por exemplo, os efeitos secundários da medicação. 
Apesar da ausência de cura para a maioria das ataxias do cerebelo, o tratamento dos sintomas podem ser muito úteis para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e evitar complicações que podem conduzir à morte. 
A pessoa atingida por ataxia cerebelosa pode precisar de ajuda com as tarefas diárias, devido à insuficiência das suas habilidades motoras. Pode precisar de mecanismos de adaptação para comer, para se mover e falar. 
O apoio a ser prestado ao paciente deve focar-se na educação sobre a doença, bem como grupos de apoio e famílias. Além disso, algumas famílias podem procurar aconselhamento genético. 
Como Perlman (2000) afirma, a desinformação, o medo, depressão, o desespero... Assim como o isolamento, a preocupação financeira e o stress muitas vezes podem causar mais danos ao paciente e ao seu cuidador, do que a própria ataxia. 
Portanto, a terapia psicológica também deve ajudar a família e fazer parte da recuperação do paciente, para que possa lidar com sua condição. 

Prognóstico 
Se ataxia cerebelosa for devido a um acidente vascular cerebral (AVC) ou a uma infeção ou hemorragia no cerebelo, os sintomas podem tornar-se permanentes. 
Os doentes correm o risco de desenvolver depressão e ansiedade devido às limitações físicas envolvidas em seu estado. 
Também pode haver complicações secundárias que podem incluir falta de condição física, imobilidade, perda ou ganho de peso, danos da pele e infeções pulmonares ou do trato urinário, recorrentes. 
Também podem haver problemas respiratórios e apneia obstrutiva do sono. 
Como mencionado acima, a qualidade de vida do doente pode melhorar gradualmente se o suporte fornecido for suficiente. 


(artigo traduzido) 


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