Tratar a doença de Machado Joseph; uma nova abordagem para um velho problema
A doença de Machado-Joseph
(DMJ) é uma doença neurodegenerativa hereditária que destrói as áreas do
cérebro envolvidas no controle muscular. Embora a doença seja claramente
causada por uma mutação no gene ATXN3 resultando numa anómala proteína ataxina-3
que forma agregados tóxicos no cérebro, o mecanismo de como se desenvolve a DMJ
não é claro. E, apesar de décadas de investigação, nenhuma cura ou tratamento
foi encontrado. Mas agora um estudo na revista Brain por investigadores da Universidade de Coimbra, em Portugal,
recorreu a uma nova abordagem para resolver este problema antigo e encontraram
um tratamento que pode reverter dano neural da doença e os seus sintomas em
vários modelos animais de DMJ. O tratamento restaura ao normal os níveis de uma
molécula envolvida na regulação da proteína que é anormalmente baixa em ambos
os pacientes e animais com DMJ. Embora muito trabalho precise de ser feito para
ver se este tipo de terapia pode ser aplicada a pacientes com DMJ, estes são
resultados promissores, e mais, é uma abordagem que pode ser usada em outras
doenças neurodegenerativas semelhantes.
A DMJ (também conhecido como
ataxia espinocerebelosa tipo 3 ou SCA3) é rara, mas pode, no entanto, mostrar
uma incidência notavelmente elevada (até 1:150) em populações isoladas. Também
é muito destrutiva, tanto na forma como é transmitida - cada filho de um
sofredor tem 50 por cento de hipóteses de desenvolvê-la, com cada geração a
desenvolver a DMJ mais cedo do que a anterior - e como evolui - deixando as
faculdades cerebrais intactas enquanto vai, incessantemente, destruindo o
corpo. Os sintomas começam com a falta de coordenação, discurso e dificuldades em
engolir, mas progride para vários graus de paralisia que pode deixar os
pacientes confinados a uma cadeira de rodas, totalmente dependentes ou
simplesmente mortos. E se a mutação apareceu pela primeira vez na pequena ilha
açoriana das Flores, agora está espalhada por todo o mundo, incluindo em partes
da comunidade aborígene australiana, onde a DMJ já é considerada como um
problema grave.
Apesar de tudo isto, e o
facto de que a causa da DMJ ter já sido identificada, ainda há nenhuma cura ou
tratamentos.
Numa tentativa de redirecionar
o problema, no seu novo trabalho, Clévio Nóbrega, Pereira de Almeida e seus
colegas do Centro de Neurociências e Biologia Celular e da Faculdade de
Farmácia da Universidade de Coimbra, decidiram por uma vez não se concentrar na
ataxina-3, mas numa proteína chamada ataxina-2. Já foi sugerido que a ataxina-2
é anómala na DMJ, mas foi só recentemente, quando foi descoberto que a
ataxina-2 regula a produção de proteínas, que os investigadores começaram a
pensar que a proteína pode ser importante na DMJ.
Para investigar esta
possibilidade, Nóbrega e os seus colegas olharam para a ataxina-2 em pacientes
com DMJ utilizando células musculares de pacientes com DMJ, mas também, células
de cérebros doentes post mortem. Descobriram que, de fato, a ataxina-2 parece
ser praticamente inexistente em indivíduos com DMJ, e o que restou foi
encontrado nos agregados tóxicos da ataxina-3. Olhando para modelos de roedores
da doença, foi possível mostrar que essa redução foi impulsionada pelo aumento
dos depósitos tóxicos mutante da ataxina-3, à medida que a DMJ progrediu.
Mas o que foi realmente
emocionante foi quando os investigadores restauraram os níveis de ataxina-2 ao
normal em animais doentes, à medida que os agregados tóxicos e a morte cerebral
típica da DMJ começaram a desaparecer, e muito em breve, também os sintomas da
doença. Já que os pacientes com DMJ têm uma falta de ataxina-2 semelhante,
estes resultados sugerem um novo modo potencial para o tratamento da doença em
seres humanos.
Mas como é que a ataxina-2
afeta a produção da ataxina-3 mutante e o desenvolvimento da DMJ? A resposta,
como a equipa de Almeida descobriu, era uma molécula chamada PABP.
As proteínas são as
moléculas-chave para todas as reações do organismo, e o nosso ADN contém as
instruções para a sua produção. Mas para a produção de uma nova proteína, a
informação do ADN tem de ser primeiro “traduzida” numa molécula de ARN que pode
ser "lida" pelas "fábricas" de produção de proteínas, os
ribossomas. O trabalho da PABP consiste em reagir com o ARN para ajudar a sua “tradução”,
e sem esta reação as proteínas não podem ser produzidas.
E a ataxina-2 pode ligar a
PABP.
Ao bloquear a PABP ou usando
uma molécula PABP incapaz de ligar a ataxina-2, os investigadores foram capazes
de provar que esta molécula foi a chave para o efeito da ataxina-2 na DMJ.
Nos animais com DMJ (e seres
humanos também) os níveis de ataxina-2 são muito baixos, pelo que deverá haver
uma abundância de PABP disponíveis para empurrar a produção da proteína
mutante, e como resultado a doença progride totalmente. Mas como Almeida e os
seus colegas restauraram os níveis de ataxina-2 ao normal em animais doentes, a
PABP liga-se, parando a produção da ataxina-3. Uma vez que os agregados tóxicos
estão constantemente a ser eliminados do cérebro pelos mecanismos de
"limpeza" da célula, quando a produção da proteína mutante é
interrompida, os agregados tóxicos e os danos neurais começam a desaparecer, e
com eles, também os sintomas da doença.
Embora estes novos
resultados parecam promissores - afinal, podemos ver um efeito em animais
doentes vivos, mesmo naqueles já com sintomatologia completa e sabemos que os
pacientes também têm falta de ataxina-2 - os investigadores alertam que ainda
há muito a ser feito primeiro para confirmar estes resultados e sua relevância
clínica.
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Os direitos de autor desta
peça permanecem com Catarina Amorim. Está convidado a utilizar o texto
completo, desde que seja mencionado "por Catarina Amorim". Por favor,
não ignorar: pode ser considerado uma violação da legislação de direitos
autorais
PABP – Poly(A)-binding protein – Proteína de ligação Poli(A)
(artigo traduzido)
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