Síndroma da deleção do 22q13: fazendo as pazes com a ciência e o síndroma. Quando um gene em falta é uma coisa boa

David, aos 4 anos e meio, a aprender sozinho a ficar de pé, com  a ajuda
da prateleira do frigorífico
Cerebelo e caminhar
David demorou cerca de 6 anos a aprender a levantar-se e a andar. Mesmo assim, ele era muito instável. Lembro-me, se ele estivesse parado numa sala e as luzes se apagassem, ele simplesmente caia. O seu equilíbrio estava totalmente dependente de visão. Ele ainda não tinha aprendido a usar a audição e o sentido da posição articular do tornozelo para manter o equilíbrio. Isso é o que o cerebelo faz. Ele reúne os três sentidos envolvidos no equilíbrio e faz ajustes rápidos para a nossa postura. Não há muitos animais que caminhem eretos e a maioria dos outros são pássaros. Eles têm asas! Não há dúvida de que David tem problemas com o bom funcionamento do seu cerebelo (incluindo convulsões associadas com o cerebelo), mas ele, eventualmente, aprendeu a andar.

A ataxia cerebelosa 10 (SCA10) e o gene ATXN10
A ataxia é má coordenação, geralmente associada com o caminhar. Marinheiros bêbados andam com um andar cambaleante porque o álcool afeta o cerebelo. Há muitos genes diferentes que podem afetar severamente o cerebelo e o andar. Eles produzem um grupo de síndromes chamado "ataxia espinocerebelosa" ou SCA. Diferentes genes causam diferentes SCAs, cada uma com o seu próprio fenótipo característico. As mutações no gene ATXN10 levam à SCA10 (Zu et al., 1999). Esses pacientes têm ataxia (marcha debilitada), disartria (discurso debilitado) e nistagmo (controlo ocular debilitado). Estas funções são todas do cerebelo. Muitas pessoas também têm convulsões. A condição é hereditária e encontrada principalmente em famílias latino-americanas (Teive e Ashizawa, 2014). A doença tem um início tardio (dos 25 aos 45 anos) e começa lentamente. Com o passar do tempo, pode tornar-se totalmente incapacitante.
Metade de todos os indivíduos com o síndroma da deleção do 22q13 têm deleções maiores do que 5 M base, e falta-lhes o gene ATXN10. Se eu não soubesse mais sobre a SCA10, eu estaria assustado pelo David. Ele está atualmente entre as idades de 25 e 45 anos e a SCA10 é uma doença assustadora. No entanto, tem sido demonstrado que a SCA10 não é causada pela falta do gene ATXN10. Somente as mutações do gene podem causar a SCA10 (Karen et al., 2010). Estas mutações criam uma versão defeituosa da proteína ATXN10. A proteína defeituosa ganhou uma nova função (McFarland e Ashizawa, 2012). A isto é chama-se uma "mutação de ganho de função". Mas não se engane. Neste caso, o ganho de função é uma coisa má. A nova função mata os neurónios Purkinje no cerebelo (Xia et al., 2013).

Antes assim
A cerca de 50% das pessoas com o síndroma da deleção do 22q13, falta-lhes o gene ATXN10. O impacto da falta deste gene nunca foi estudado nos nossos filhos, mas agora parece que eles estão muito melhor em não ter o gene do que ter a mutação especial encontrada em famílias com SCA10.
Uma observação interessante relacionada vem do gene SHANK3. Há um crescente corpo de evidências de que mutações no SHANK3 podem ser mutações de ganho de função. Modelos rato de mutações SHANK3 sugerem que diferentes mutações fazem coisas muito diferentes. O mesmo é verdadeiro para os seres humanos. Há algumas pessoas normais que andam por aí com mutações SHANK3. Outras mutações do SHANK3 causam deficiência intelectual, ocasionalmente com autismo. Seria útil encontrar um caso humano de alguém a quem falta todos os SHANK3 e nenhum outro gene. Então nós poderíamos conhecer o real impacto da falta do SHANK3. O que sabemos é que algumas pessoas com o síndroma da deleção do 22q13 a quem falta o SHANK3, são mais funcionais do que algumas pessoas com mutações SHANK3. Isso sugere fortemente que as pessoas com o síndroma da deleção do 22q13 estão melhor não tendo o gene SHANK3, do que ter uma mutação patológica.


22q13 – parte do cromossoma 22
Síndroma da deleção do 22q13 – Síndroma Phelan-McDermid


(artigo traduzido)





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